Sexta, 20 Agosto 2021 15:22

NOTA REPUDIA DECISÃO DO INCRA EM TRAVAR PROCESSO DE REGULARIZAÇÃO DE TERRITÓRIO QUILOMBOLA MORRO ALTO E ASSEDIAR SERVIDORES Destaque

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Integrantes da Comunidade Quilombola de Morro Alto em evento  na localidade Integrantes da Comunidade Quilombola de Morro Alto em evento na localidade Foto: Artesanato de Morro Alto

Uma nota produzida por servidores do Incra repudia a decisão do órgão em travar o processo de regularização de Território da Comunidade Quilombola Morro alto – localizado nos municípios de Osório e Maquiné, no Rio Grande do Sul -, e assediar os profissionais que atuaram na elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), que aborda informações cartográficas, fundiárias, agronômicas, ecológicas, geográficas, socioeconômicas, históricas e antropológicas, obtidas em campo e junto a instituições públicas e privadas.

Entre os argumentos apresentados na nota dos servidores do Incra, se destaca o seguinte: “Os processos de regularização fundiária de quilombos não podem ser conduzidos sob o critério de interesse político, a partir de uma ideologia racista, mas sim dentro de balizas legais da Administração Pública. Permitir tal conteúdo discriminatório e antidemocrático, como os apontados, é pavimentar o esgarçamento e a erosão dos valores constitucionais e democráticos, com efeitos nefastos permanecerão por décadas”.

Veja AQUI a nota dos servidores do Incra.

A decisão do Incra está materializada no Processo nº 54000.189078/2019-10, com destaque para um relatório de 49 páginas da Auditoria – que não tem qualificação técnica para contestar os documentos confeccionados pelos servidores (a exemplo do RTID), embora o Conselho Diretor da Autarquia, por meio da Resolução nº 444/2020, determinou a inclusão, no rol de atividades da Auditoria Interna, avaliações e ações de controle sobre a regularização fundiária e titulação de áreas de comunidades quilombolas (decisão no mínimo estranha, pois normalmente os setores de Auditoria dos órgão públicos no Brasil atuam na apreciação de contas, gastos e são vinculados à Controladoria Geral da União – CGU). Atualmente, 31 processos de regularização fundiária encontram-se na Auditoria Interna no Incra para as referidas análises e, por conta disso, eles estão paralisados.

A atuação “fora da caixa de atribuições específicas” é tão explícita e evidente que o próprio Ministério Público Federal (MPF), por meio de sua Procuradoria no Rio Grande do Sul, fez dentro do Inquérito Civil nº 1.29.000.000869/2017-37 a Recomendação nº 006/2020, na qual cita para Incra não aceitar os apontamentos de relatórios da Auditoria do órgão.

Um trecho da citada recomendação do MPF diz textualmente o seguinte: “RECOMENDA ao INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA, representado por seu/sua Presidente, que não aceite os apontamentos do Relatório Preliminar nº 5679807, do Auditor Chefe do INCRA, mantendo o arquivamento do Procedimento Disciplinar nº 54000.000207/2017-60, bem como dê continuidade e andamento ao Processo de Regularização Fundiária da Comunidade Remanescente de Quilombo do Morro Alto, Processo Administrativo nº 54220.001201/2004-09, visto a regularidade do mesmo”.

Acesse AQUI o relatório da Auditoria do Incra.

Confira AQUI a recomendação do MPF-RS.

Histórico
Localizada ao longo do trecho da BR-101 que passa pelos municípios de Maquiné e Osório, a Comunidade Remanescente de Quilombos de Morro Alto constitui-se de cerca de 230 famílias, em uma área de aproximadamente 4.500 hectares.

Estudos apontam a formação histórica de comunidades em torno das ruínas das antigas senzalas ou nas terras de seus antigos senhores, sendo que os quilombolas de Morro Alto estabeleceram relações com aqueles que moravam livres no Cantão - um quilombo localizado no Morro da Vigia. Na década de 1960, registra-se o início do fortalecimento político da comunidade, em articulação com movimentos sociais camponeses, emergentes no Rio Grande do Sul. Entre estes, se destaca o Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master), precursores do MST no Estado.

A duplicação da BR-101 deu ímpeto às comunidades para ampliarem seus direitos. Representantes da comunidade participaram no lançamento do edital de duplicação da BR-101, em junho de 2002. Foram apresentadas demandas sobre a necessidade de seu reconhecimento como quilombolas, indenização e políticas compensatórias. Em julho de 2005, uma audiência pública – demandada pela Comunidade de Morro Alto –, foi realizada no Ministério Público Federal.

Em julho de 2006, o Ministério Público Federal entrou com uma ação civil pública, em apoio aos quilombolas, contra o DNIT e o Ibama. O objetivo da ação foi obrigar a realização de estudos relativos ao impacto da rodovia bem como propor medidas compensatórias à comunidade.

Em abril de 2008, o Incra iniciou o cadastramento dos moradores da área, já objetivando a regularização fundiária do território.

No início de 2011, o Relatório Técnico de Identificação de Delimitação (RTID) foi concluído e encaminhado para apreciação do Comitê de Decisão Regional (CDR) do Incra/RS. O RTID foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) em 15 de março daquele ano. Segundo o edital publicado, cerca de 4500 hectares foram oficialmente reconhecidos como pertencentes ao Território Quilombola de Morro Alto, bem como foi determinado o início da notificação dos não-quilombolas presentes na área identificada para fins de indenização e desapropriação dos imóveis. Pelo menos 350 pessoas foram atingidas pela determinação.

A publicação do edital intensificou a resistência das famílias não-quilombolas presentes na área, com destaque para produtores rurais, e sua organização política para resistir à retomada quilombola dos imóveis arrolados entre os constantes no território recém-reconhecido pelo Governo Federal.

Em novembro de 2015 foi instituída no Congresso Nacional a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Incra e Funai visando analisar as ações dos órgãos na destinação de terras do país para comunidades e grupos sem terra, além de indígenas. Processos de regularização de Comunidades quilombolas, a exemplo da Morro Alto, foram contestadas no andamento das investigações da CPI. O relatório final da CPI criminalizou as ações do Incra e Funai, além de impactar negativamente nas atividades dos servidores.

Em 2016 o deputado Alceu Moreira (MDB-RS) enviou ao Incra o Ofício 463/2016, sobre a legalidade e os procedimentos usados na elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação e outros documentos relativos à comunidade. Por conta disso, o Incra instaurou o processo administrativo nº 54000.000966/2016-41 para seu acompanhamento. Atualmente há três processos administrativos no Incra que tratam do conteúdo do Ofício 463/2016.

Ainda em 2017, a Cnasi emitiu nota sobre o assunto na qual repudiava o direcionamento das ações do Incra e perseguição aos servidores.

Fonte: Cnasi-AN

Ler 3546 vezes Última modificação em Sexta, 20 Agosto 2021 16:17